Projeto de Reforma do CPC e a Novel Possibilidade de Penhora do Salário

Projeto de Reforma do CPC e a Novel Possibilidade de Penhora do Salário

Primeiramente, vale referir que o objetivo do presente ensaio não é esgotar o tema, mas sim fomentar o debate, tecendo algumas considerações sobre a possibilidade de penhora do salário constante do projeto de reforma do Código de Processo Civil, que atualmente tramita na Câmara dos Deputados (PL nº. 8.046/2010).

Pois bem, como é cediço dentre os operadores e estudiosos do direito, a regra do artigo 649, inciso IV, do diploma processual civil vigente , combinada com o artigo 7º, inciso VI, da Constituição Federal , consagra a impenhorabilidade absoluta dos “vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios”, excetuando apenas a hipótese do parágrafo segundo , ou seja, de penhora para pagamento de prestação alimentícia.

Assim, salvo na hipótese de dívida de caráter alimentar, os rendimentos recebidos pelas pessoas naturais, por mais significativos que sejam, ficam a salvo de qualquer constrição judicial, não respondendo pelo pagamento das dívidas contraídas pelos seus titulares.

Ocorre que, em virtude do caráter excessivamente protecionista da legislação vigente, uma quantidade infindável de sentenças e acórdãos que garantem ou reconhecem direitos, na prática, acabam por se tornar ineficazes, em prejuízo daqueles litigantes que efetivamente merecem seus benefícios.

Ciente dessa realidade e em atenção ao princípio da efetividade da prestação jurisdicional, o projeto do novo Código de Processo Civil (PL nº. 8.046/2010), prevê uma alteração drástica na tradicional regra da impenhorabilidade dos vencimentos.

Segundo o brilhante texto proposto, será autorizada a penhora de até 30% (trinta por cento) do salário que, após os descontos legais, ultrapassar o equivalente a seis salários mínimos.

Logo, caso seja aprovada a proposta, colocar-se-á fim à facilitação que tradicionalmente se confere aos devedores que não possuem bens em seus nomes, sem eliminar, porém, a necessária proteção ao caráter alimentar do salário, uma vez que se garantirá à pessoa do executado um mínimo de seis salários mínimos para a sua subsistência (R$ 4.068,00).

Indiscutível a necessidade de se respeitar à dignidade da pessoa do executado, garantindo-lhe um mínimo necessário à subsistência. Todavia, há uma pessoa com dignidade, e que, assim como o devedor, também necessita prover o sustento próprio e de seus familiares.

O respeito à dignidade da pessoa humana também deve abranger aqueles que reconhecidamente possuem direito a receber valores, não somente os devedores.

Ora, manter a absoluta impenhorabilidade da verba salarial do executado, mesmo diante da inexistência de outros meios para a satisfação do crédito exequendo, significa outorgar uma carta de cidadania e legitimidade ao enriquecimento ilícito, o que não encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio.

Na sistemática procedimental vigente, não raras vezes nos deparamos com situações em que, paradoxalmente, a garantia da intangibilidade salarial se volta contra a parte hipossuficiente da relação processual, quando na realidade deveria protegê-la.

Pensemos na hipótese nada remota de um sujeito, com renda mensal de aproximadamente cinco salários mínimos, ser titular de um crédito não alimentar em face de um devedor, que aufere rendimentos mensais superiores a trinta salários mínimos e não possui nenhum bem em seu nome.
Nessa fatídica hipótese, apesar da exorbitância dos rendimentos auferidos pelo devedor, o credor (parte hipossuficiente da relação processual), restará desprotegido pela sistemática vigente, ficando completamente à mercê da vontade do primeiro, vez que não disporá de nenhum meio para efetivação do seu direito creditício.

O Congresso Nacional, em 2006, chegou a aprovar um projeto similar que autorizava a penhora de até 40% (quarenta por cento) do rendimento mensal do devedor que, após os descontos legais, excedesse vinte salários mínimos .

No entanto, o dispositivo foi vetado pelo Presidente da República à época, Luiz Inácio Lula da Silva, ao sancionar a Lei 11.382/06, sob a justificativa de que o tema demandaria maior reflexão por parte da comunidade jurídica e da sociedade em geral .

Segundo o deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA), relator da comissão especial que analisa o projeto de reforma do Código de Processo Civil na Câmara, o fato de o tema já ter sido aprovado pelo Congresso é extremamente favorável à penhora parcial do salário, prática esta já reconhecida em países desenvolvidos como Polônia, Argentina, Estados Unidos e Espanha.

Não se olvida da seriedade da reforma e das profundas consequências sociais que dela advirão, caso seja de fato incluída em nosso ordenamento jurídico.
Entretanto, deixar de aprová-la, significa manter patrocínio à ineficácia das decisões judiciais, potencializando, assim, o descrédito do judiciário. Significa, da mesma forma, prestigiar maus pagadores em evidente desprestígio àqueles que se socorrem da máquina judiciária estatal como “ultima ratio” para a solvência dos seus créditos.

Por fim, vale referir que, a justiça laboral, sempre atenta aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, já possui inúmeros precedentes sobre o tema, cabendo agora, ao Legislativo normatizar a matéria, lembrando que a lei sempre deve seguir as práticas sociais e os anseios da coletividade.

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Art. 649. São absolutamente impenhoráveis: (…) IV – os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo;
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…) VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
§ 2º. O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia.

§ 3º. Na hipótese do inciso IV do caput deste artigo, será considerado penhorável até 40% (quarenta por cento) do total recebido mensalmente acima de 20 (vinte) salários mínimos, calculados após efetuados os descontos de imposto de renda retido na fonte, contribuição previdenciária oficial e outros descontos compulsórios.

“O Projeto de Lei quebra o dogma da impenhorabilidade absoluta de todas as verbas de natureza alimentar, ao mesmo tempo em que corrige discriminação contra os trabalhadores não empregados ao instituir impenhorabilidade dos ganhos de autônomos e de profissionais liberais. Na sistemática do Projeto de Lei, a impenhorabilidade é absoluta apenas até vinte salários mínimos líquidos. Acima desse valor, quarenta por cento poderá ser penhorado. A proposta parece razoável porque é difícil defender que um rendimento líquido de vinte vezes o salário mínimo vigente no País seja considerado como integralmente de natureza alimentar. Contudo, pode ser contraposto que a tradição jurídica brasileira é no sentido da impenhorabilidade, absoluta e ilimitada, de remuneração. Dentro desse quadro, entendeu-se pela conveniência de opor veto ao dispositivo para que a questão volte a ser debatida pela comunidade jurídica e pela sociedade em geral.”

BRUNO CALOCA HUSEIN
OAB/RS 81.643

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