Tutela antecipada de ofício

Tutela antecipada de ofício

                   Mediante uma rápida e superficial análise do caput do artigo 273 do Código de Processo Civil, a conclusão do intérprete positivista do Direito seria cabalmente negativa, ou seja, de que o magistrado deveria sempre ser previamente provocado para a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, sendo vedada a sua atuação “ex officio”.

 Isso porque, a redação do supracitado dispositivo legal, de forma clara, exige o prévio requerimento da parte interessada na medida antecipatória ao dispor que, “o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial”.

Todavia, a luz do contemporâneo modelo constitucional de processo civil, paradoxalmente, a resposta mais afinada é a positiva, ou seja, de que é sim facultado ao juiz conceder de ofício a tutela antecipatória, desde que preenchidos os demais requisitos legais.

Isso porque, ao contrário do entendimento de significativa parcela da doutrina nacional, a tutela antecipatória “ex officio” não contraria a ordem jurídica vigente – princípios da demanda, do dispositivo e da imparcialidade –, mas sim prestigia-a ao equilibrar as posições das partes no processo e conferir efetividade à prestação jurisdicional, com vistas à máxima proteção dos direitos inerentes aos cidadãos, mormente aqueles previstos na Constituição Federal.

Ora, ciente de que o processo não possui um fim em si mesmo, sendo um instrumento a serviço da realização do direito material, não há porque não filtrá-lo de todos os males existentes, como de fato do exagero de forma do artigo 273, no que tange ao prévio requerimento da parte interessada na medida antecipatória.

A Constituição Federal de 1988, de cunho eminentemente social e protecionista, consciente de que a mera revelação da “vontade fria” da lei não atendia mais aos anseios da sociedade moderna, inovou ao incumbir aos magistrados um papel mais ativo na defesa dos direitos dos cidadãos, ou seja, ao determinar a utilização do processo com o fim de obter resultados concretos à realização da justiça (art. 5º, inc. XXXV, CF).

Portanto, antes de aplicar acriticamente os rigores descabidos da legislação infraconstitucional, especificamente do artigo 273 do Código de Processo Civil – por meio do arcaico raciocínio mecânico da subsunção do fato a norma –, deve o magistrado buscar a máxima efetivação dos direitos fundamentais dos litigantes, podendo inclusive decidir “contra legem”, desde que julgue “pro” Constituição.

O dispositivo em tela (art. 273 do CPC) não pode prescindir de uma interpretação ampliativa que leve em linha de consideração os fins que motivaram o legislador ordinário a positiva-lo no bojo do nosso ordenamento jurídico, ou seja, a aspiração de máxima efetividade da prestação jurisdicional, que somente será alcançada se ao juiz for facultada a antecipação de tutela de ofício.

Como bem adverte a insigne jurista Rafaella Henrique Sousa de Araújo Britto, “em sendo a tutela antecipada medida destinada a prevenir danos ou reprimir atos, não há porque condicioná-la ao pedido da parte, uma vez que, quando do ingresso em juízo, se presume esta vontade, sendo dever do magistrado impulsionar o processo. É função do Estado-Juiz zelar pelos interesses das partes, quando estes se mostrem verossímeis, e pelos da própria sociedade” (BRITTO, 2008).

Com efeito, constatando o juiz, na análise do caso concreto, a presença dos requisitos exigidos para a concessão da tutela antecipada – “fumus boni iuris” e “periculum in mora” –, à exceção do pedido expresso da parte interessada, deverá deferir a medida de ofício, renunciando o valor forma, para assim prestigiar o valor efetividade.

Ora, a preocupação com a técnica é justificável, apenas e tão somente, enquanto meio para atingir fins, afinal como já dizia Rui Barbosa, “a justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.

Em suma, a luz do novel modelo constitucional de processo civil e não de uma interpretação puramente literal docaput do artigo 273 do diploma processual, pode-se claramente concluir que, ao juiz não é defeso conceder tutela antecipada de ofício, forte no direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional (art. 5º, inc. XXXV, da CF), popularmente conhecido como “direito de acesso à justiça” ou “direito de acesso à ordem jurídica justa”, o qual não compreende apenas o direito de provocar a máquina judiciária estatal, mas também e fundamentalmente o direito de obter, em prazo adequado, uma decisão justa e com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos.

BRUNO CALOCA HUSEIN

OAB/RS 81.643