Noções básicas sobre o Instituto Previdenciário da “Desaposentação”

Noções básicas sobre o Instituto Previdenciário da “Desaposentação”

Primeiramente, aduz referir que o presente ensaio almeja apenas fomentar o debate e levar ao conhecimento dos leitores algumas noções básica

sobre o instituto previdenciário da “desaposentação”, sem possuir, porém, qualquer pretensão de esgotar o tema.

O termo “aposentadoria”, no seu sentido etimológico, traduz a ideia de recolhimento, albergamento, ou seja, de retorno do trabalhador aos aposentos. Portanto, quando se afirma que alguém alcançou a aposentadoria em virtude do preenchimento dos requisitos legais, costuma-se atribuir a tal individuo a condição de jubilado, vale dizer, daquele que, por tanto serviço prestado, merece o júbilo, o contentamento do repouso.

Ocorre que, em virtude do baixo valor dos proventos de aposentadoria pagos pela autarquia federal de previdência oficial (INSS) e do notório acréscimo das despesas, muitos jubilados se veem obrigados a permanecer ou retornar ao mercado de trabalho para complementar a renda mensal e assim manterem a qualidade de vida ostentada quando da ativa.

Aliás, apenas para fins elucidativos, os estimativos oficiais apontam que hoje, no Brasil, mais de 500 mil aposentados continuam a trabalhar no mercado formal.

A par dessa realidade, a redação original do artigo 81, inc. II, da Lei 8.213/91 (Lei dos Planos de Benefícios da Previdência Social), previa a concessão de um benefício intitulado pecúlio. Tal benefício consistia na devolução, em parcela única, quando do afastamento definitivo do trabalho, daquilo que tivesse sido recolhido a título de contribuição previdenciária pelo aposentado do Regime Geral de Previdência Social (por idade ou tempo de contribuição), que, a despeito desta qualidade, permanecesse trabalhando ou voltasse a exercer atividade abrangida pelo mesmo regime.

O supracitado pecúlio foi extinto pela Medida Provisória nº. 381/1993, que não isentou os trabalhadores aposentados da respectiva contribuição previdenciária, desencadeando assim uma insatisfação de ordem generalizada.

Felizmente, as insurreições populares impulsionaram a edição da Lei 8.870/1994, a qual em seu artigo 24 estabeleceu que o aposentado que estivesse exercendo ou que voltasse a exercer atividade abrangida pelo mesmo regime, ficaria isento da contribuição prevista no art. 20 da Lei 8.213/1991.

Ocorre que, apenas um ano após a concessão da referida isenção, o legislador ordinário, em absoluta afronta ao princípio da não-retrocessão social, ao elaborar a Lei 9.032/1995, restaurou a obrigatoriedade da contribuição para os trabalhadores aposentados, sem fazer qualquer menção à possibilidade de restabelecimento do pecúlio.

Com efeito, hodiernamente, ao retornarem à ativa, mesmo sem possuírem direito aos benefícios previdenciários, exceto salário família e a reabilitação profissional (art. 18, §2º, da Lei 8.213/91), bem como ao pecúlio (reaver as contribuições do período pós-jubilação),os aposentados, por força do artigo 11, §3º, da Lei 8.213/91, como quaisquer outros segurados obrigatórios, estão sujeitos às contribuições para fins de custeio da Seguridade Social.

E, exatamente nesse contexto, exsurge com força na jurisprudência nacional o objeto específico do presente ensaio, qual seja, o instituto previdenciário da “desaposentação”, que em linhas gerais consiste na renúncia da atual aposentadoria para que, em seguida, uma nova aposentadoria seja concedida, com a consequente inclusão de todo período contributivo, especificamente daquele período relativo ao lapso temporal em que o segurado contribuiu depois de aposentado.

Afinal, não é justo que o segurado aposentado, compelido por necessidade econômica a continuar trabalhando e, consequentemente, a repassar à Seguridade Social parcela dos recursos auferidos, fique sem receber do INSS qualquer contrapartida de índole pecuniária quando do afastamento definitivo das atividades, especificamente em relação aquele lapso temporal contribuído depois de obtida a aposentadoria.

Vale referir, não pretende o signatário alegar que as contribuições à Seguridade Social se destinam ao financiamento exclusivo do benefício possivelmente gozado pelo sujeito passivo da exação tributária, apenas que o princípio da solidariedade contributiva (art. 194 e 195 da CF) na ceara previdenciária não pode ser alçado ao patamar de que alguns apenas “paguem a conta”, ao passo que outros “deitam e rolam sobre os seus frutos”.

Se o aposentado que trabalha tem obrigação de pagar as contribuições previdenciárias e em contrapartida não tem direito a uma prestação de benefício, como ficam esses valores pagos? O aposentado fica no total prejuízo? Onde está o princípio da isonomia assegurado pelo artigo 5º da Constituição Federal? E o princípio da paridade de tratamento entre ativos e inativos?

Ao contrário do que pretendem alguns doutrinadores, sequer pode ser considerado como óbice à concessão da “desaposentação” o princípio da seletividade ou distributividade, ou seja, de que a renda deve ser auferida, em um primeiro plano, pelos mais necessitados.

Isso porque, considerando o execrável valor dos proventos de aposentadoria pagos pelo INSS e a ampliação desproporcional das despesas em virtude da avançada idade (medicamentos, cuidados médicos, alimentação, vestuário, lazer, etc.), obviamente não seria legítimo excluir os aposentados do grupo dos “mais necessitados”.

Prudência e razoabilidade infelizmente faltaram aos nossos legisladores quando positivaram a obrigatoriedade do pagamento de contribuição previdenciária pelos aposentados que continuam em atividade, mesmo afastando-os dos correlatos benefícios previdenciários assegurados a todos os demais segurados obrigatórios que na mesma proporção contribuem.

Pois bem, delineados os contornos propedêuticos, vejamos como vem se manifestando a jurisprudência nacional sobre o tema.

Os Tribunais são pacíficos em afirmar que sendo a aposentadoria um direito patrimonial, ela se insere no rol dos interesses disponíveis, razão por que não há como negar o direito do segurado de renunciar ao benefício de aposentadoria a que faz jus.

Porém, a divergência jurisprudencial fica a cargo da necessidade ou não de devolução dos valores percebidos do INSS pelo segurado aposentado para que a nova aposentadoria seja concedida, com a inclusão do período de contribuição posterior ao jubilamento objeto da renúncia.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (EINF 5000133-62.2011.404.7100) possui jurisprudência dominante no sentido de que se o segurado pretende renunciar à aposentadoria para postular novo jubilamento, com a contagem do tempo de serviço em que esteve exercendo atividade vinculada ao Regime Geral da Previdência Social e concomitantemente à percepção dos proventos de aposentadoria, os valores recebidos da autarquia previdenciária a título de amparo deveriam ser integralmente restituídos com correção monetária.

De outra banda, em sentido completamente antagônico, o Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp 1274283/RS), órgão de hierarquia sabidamente superior, com louvor vem decidindo pela desnecessidade da devolução dos valores percebidos pelo segurado do INSS, pois enquanto perdurou a aposentadoria, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos.

A matéria foi recentemente reconhecida como de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (RE 381367/RS), de quem se espera a confirmação da posição do Superior Tribunal de Justiça, ou seja, da possibilidade de concessão de nova aposentadoria, sendo desnecessária a devolução dos valores recebidos enquanto vigia a aposentadoria inicialmente concedida.

Ainda, vele referir que, para garantir ao segurado o direito à renúncia à aposentadoria, sem prejuízo da contagem do tempo de contribuição e para impedir a exigência da devolução dos valores percebidos, também tramitam no Legislativo os projetos de lei nºs. 2.682/07, 3.884/08, 4.264/08, 5.668/09, 5.693/09, 7.092/10 e 7.369/10.

Em suma, a “desaposentação” é uma realidade atual que está na iminência de se consolidar como um direito de todos os aposentados que “optam” em permanecer ou retornar ao mercado de trabalho.

Finalmente, não é demasiado apontar que, antes de ingressar com a respectiva ação de “desaposentação”, o segurado, por cautela, deve fazer um cálculo contemplando todo o período contributivo (anterior e posterior à aposentadoria), de modo a verificar se o novo benefício previdenciário pretendido realmente lhe será mais vantajoso.

BRUNO CALOCA HUSEIN

OAB/RS 81.643